O cartório mais digital de Santa Catarina!

ENUNCIADO 63 – PROTESTO DE TÍTULOS – ENTE FEDERATIVO – DEVEDOR – POSSIBILIDADE

Resumo: ENUNCIADO 63 – É possível o protesto de título ou documento de dívida em que figure como devedor um ente federativo.

Justificativa:

Para que exista óbice de se protestar um título ou documento de dívida que preencha todos os requisitos legais, é imprescindível que tenha uma normativa legal expressa nesse sentido. A falta de uma normativa legal proibindo expressamente que se proteste um título ou documento de dívida que tenha como devedor um ente federativo, já seria o suficiente como justificativa da impossibilidade de o Tabelião de Protesto se negar a dar andamento ao protesto de tais títulos ou documentos de dívida.

Porém, faz-se necessário despertar uma visão mais aprofundada sobre o tema, para que não paire dúvidas a respeito. Iniciamos a reflexão lembrando o que diz o art. 1º, da Lei n. 9492/1997, no sentido de que o protesto é um ato formal e solene que prova o descumprimento de uma obrigação pecuniária, e tem como um dos seus principais efeitos a publicidade.

Outro ponto importante a ser destacado na Lei do Protesto, é o disposto no art. 9º, a seguir descrito: Todos os títulos e documentos de dívida protocolizados serão examinados em seus caracteres formais e terão curso se não apresentarem vícios, não cabendo ao Tabelião de Protesto investigar a ocorrência de prescrição ou caducidade. Parágrafo único. Qualquer irregularidade formal observada pelo Tabelião obstará o registro do protesto. Diante do dispositivo legal mencionado, conclui-se que o Tabelião de Protesto não está autorizado a fazer uma análise mais profunda do título, limitando-se a análise dos requisitos formais, não sendo permitida uma análise de fundo ou de mérito por parte do mesmo. Em outras palavras, a análise do título ou documento de dívida, por parte do Tabelião, sempre será de modo extrínseco, nunca de forma intrínseca. Essa regra só poderá comportar exceção se existir expressa previsão legal ou normativa. Nesse sentido, podemos encontrar algumas exceções em normativas estaduais, mas nenhuma delas se refere à impossibilidade de protesto cujo devedor seja um ente federativo.

Assim sendo, se não há lei ou normativa inserindo os entes federativos em eventual exceção, não há como o Tabelião de Protesto se negar a protestar, aplicando entendimentos ou analogias, tendo o dever de sempre seguir o que está previsto em leis, normativas estaduais ou normativas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Necessário fazer uma importante observação no sentido de que, para um Tabelião se recusar a protestar um título, ele deve fazer a recusa de modo expresso e fundamentado, apontando o dispositivo legal que impede o ingresso daquele título ou documento de título para protesto. Dessa maneira, fica evidente que, ao se tratar de eventual recusa motivada apenas em ser o devedor um ente federativo, o Tabelião de Protesto não terá fundamento legal ou normativo para constar na nota devolutiva expressa exigida para tanto.

A jurista Martha El Debs (em sua obra Legislação Notarial e de Registros Públicos Comentada, 5ª edição. Editora Juspodvim, Salvador, 2021) traz a possibilidade de protesto de títulos ou documentos de dívidas em que figurem como devedores entes federativos, justificando a ausência de impedimento legal ou normativo para tanto. Ainda com a finalidade de fortalecermos mais os estudos sobre o tema, consultamos alguns estudiosos da matéria de Protesto de letras e títulos e outros documentos de dívidas, cujas opiniões traremos a seguir. Todos os juristas consultados, antes de externarem suas opiniões sobre o tema, declararam se tratar da posição particular deles, respeitando qualquer entendimento contrário. O jurista Sérgio Luiz José Bueno, em resposta a nossa indagação sobre a possibilidade de protesto de ente federativo, nos trouxe, inicialmente, a seguinte reflexão: o simples fato de não ter havido o adimplemento no prazo estipulado (o que daria ensejo à apresentação a protesto), não gera a presunção de existência de pretensão resistida e, tampouco de lide. Nada impede que o ente estatal seja intimado e realize o pagamento e o Tabelião, sob pena de ultrapassar os limites da qualificação regular, não deve perquirir se houve, ou não, o cumprimento dos requisitos administrativos para tal pagamento. O ilustre doutrinador ainda ensina que os questionamentos acerca da possibilidade de protesto não podem ser utilizados pensando em normas ou soluções atinentes à via jurisdicional, e conclui: Penso que o credor deve ter o direito de obter, pelo protesto, a prova do inadimplemento, mas, ainda que se pense inútil tal prova (e não creio que seja, pois sempre será uma prova “forte” para os mais variados fins), hoje há a distinção muito clara entre a função (probatória ou conservatória) do ato de protesto e os fins do procedimento para protesto (obtenção de satisfação de obrigação).

O jurista Carlos Rogério de Oliveira Londe, ao ser consultado, afirma que sempre defendeu a possibilidade de protesto de ente federativo, enfatizando que não se pode utilizar como impeditivo o disposto no art. 100, da Constituição da República Federativa do Brasil, pois este se trata exclusivamente para sentenças judiciárias. Londe também entende que, ao ser apontado a protesto um título ou documento de dívida, o ente federado pode reconhecer a dívida e pagar ao cartório ou posteriormente ao próprio credor.

O jurista Mario de Carvalho Camargo Neto também nos respondeu pela possibilidade do protesto de títulos ou documentos de dívidas que tenham como devedores entes federativos, apresentandonos, inclusive, o Processo n. 2019/00097686, da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, datado de 1º de julho de 2019, referente a um pedido de providência emitido pelo Conselho Nacional de Justiça, a requerimento da União (Pedido de Providências n. 0003620-83.2019.2.00.0000), cuja análise conclui-se por não ser viável a edição de norma administrativa vedando o protesto de contratos de publicidade estatal.

O jurista Anderson Nogueira Guedes, também se posicionou a favor da possibilidade do protesto, e nos apresentou os seguintes argumentos: “Filio-me à corrente que entende ser possível o protesto em tais situações, por uma série de razões: 1) pelos diversos efeitos advindos do protesto do título, tais como: comprovação do inadimplemento e interrupção da prescrição; 2) a lei não precisa prever, de maneira expressa, o rol taxativo dos títulos protestáveis; basta que o documento de dívida seja revestido de liquidez, certeza e exigibilidade; 3) desconheço a existência de lei impedindo o protesto nesses casos (e, mesmo se houvesse, poderia, a meu ver, haver a provocação do Judiciário a depender da motivação do legislador); 4) além disso, entendo que a impossibilidade de protesto, em tais casos, afrontaria direito líquido e certo do credor, retirando-lhe importante mecanismo de recuperação do crédito (o qual defendo ser o mais importante em nosso país); 5) termino com uma reflexão: se entendermos pela impossibilidade não estaremos colocando tais entes em um patamar de superioridade, atribuindo-lhes certos e questionáveis privilégios, e, assim, de certa forma, incentivando o inadimplemento?”

Por fim, os juristas Arthur Del Guércio Neto, José Carlos Alves, Reinaldo Velloso dos Santos, nos responderam que entendem perfeitamente possível o protesto de títulos ou outros documentos de dívidas em que figure como devedores entes federativos, pelos vários motivos aqui já citados, tendo todos mencionado de igual forma, a decisão administrativa Proc. 78.715/1986 – Parecer 552/1986, do Estado de São Paulo, de autoria do então Juiz José Renato Nalini, proferida em 9 de outubro de 1986, que tratou exaustivamente desse tema, e que resultou no parecer pela possibilidade do protesto em tais casos.

Compartilhe este artigo:

Artigos relacionados