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Lavratura de escrituras de compra e venda de fração ideal de imóveis no âmbito da Comarca de Criciúma/SC

Resumo: Instalou-se um quadro de insegurança jurídica na Comarca, em razão do entendimento sustentado por alguns eminentes e admiráveis colegas da atividade extrajudicial de que é vedada a venda de fração ideal de imóvel no país, em que pese o art. 1.314, in fine, do Código Civil não tenha sido revogado. Em razão disso, apesar da clareza das regras estampadas no art. 1.314, in fine, do Código Civil e nos artigos 804, 713 e 715 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina, os requerentes se sentem inseguros para orientar os seus usuários quanto à possibilidade de se lavrar ou não escrituras que tem por objeto a venda de fração ideal de imóveis

Secretaria do Foro da Comarca de Criciúma Extrajudicial/Ato Normativo, Projeto de Lei ou Decisão regulamentar n. 0025515-32.2022.8.24.0710 Unidade: 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Criciúma

Assunto: Extrajudicial/Pedido de Regulamentação

DECISÃO Cuida-se de pedido de Regulamentação proposto pelo Oficial do 1º Tabelionato de Notas e Protestos de Criciúma, Escrivã da Escrivania de Paz do Distrito de Rio Maina de Criciúma, Escrivã da Escrivania de Paz do Distrito de São Bento Baixo de Nova Veneza, Oficial do 2º Tabelionato de Notas e Protestos de Criciúma e Escrivão interino da Escrivania de Paz do Distrito de Nova Veneza, sobre a lavratura de escrituras de compra e venda de fração ideal de imóveis no âmbito desta Comarca.

Mencionam que no início do corrente ano instalou-se um quadro de insegurança jurídica na Comarca, em razão do entendimento sustentado por alguns eminentes e admiráveis colegas da atividade extrajudicial de que é vedada a venda de fração ideal de imóvel no país, em que pese o art. 1.314, in fine, do Código Civil não tenha sido revogado. Em razão disso, apesar da clareza das regras estampadas no art. 1.314, in fine, do Código Civil e nos artigos 804, 713 e 715 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina, os requerentes se sentem inseguros para orientar os seus usuários quanto à possibilidade de se lavrar ou não escrituras que tem por objeto a venda de fração ideal de imóveis, mesmo quando não haja indício algum de parcelamento irregular ou clandestino do solo, o que tem gerado impacto muito negativo no mercado imobiliário local.

Ressaltam que existem dezenas ou centenas de protocolos de escrituras paralisados nos tabelionatos da Comarca aguardando uma orientação clara e segura a respeito de quando os proprietários podem e quando não podem vender e comprar frações ideais de imóveis. Assim, diante da divergência de entendimentos na Comarca quanto à possibilidade de se lavrar escritura pública de venda de fração ideal, em que pese as regras dos arts. 1.314 do Código Civil e arts. 804, 713 e 715 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça de Santa Catarina, os requerentes necessitam da regulamentação desse juízo, a fim de que possam orientar corretamente os seus usuários.

Por isso, suplicam a esse juízo: a) o recebimento do presente pedido de regulamentação, na forma do art. 60-B do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça de Santa Catarina; b) a oitiva do representante do Ministério Público, a quem desde logo solicitam subsídios para a correta atuação das serventias extrajudiciais; c) a oitiva dos demais delegatários em exercício na Comarca de Criciúma, se esse juízo entender necessário; d) que seja definido, em procedimento de regulamentação, se no âmbito da Comarca os tabelionatos estão autorizados ou não a lavrar escritura pública de compra e venda de fração ideal, na forma mencionada nos artigos 405, 1.314 e 1.320 do Código Civil, desde que não existam dados objetivos indicando a existência de fraude ou de parcelamento irregular ou clandestino do solo, conforme estabelecido no art. 804 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça; e) que seja definido, em procedimento de regulamentação, se os critérios definidos nos artigos 713 e 715 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça são suficientes para se aferir os indícios de parcelamento irregular ou clandestino do solo e, em caso negativo, quais parâmetros adicionais devem ser observados; f) que seja definido, em procedimento de regulamentação, sobre a necessidade de motivação devidamente justificada e ancorada em dados objetivos nas hipóteses de nota de recusa ou de exigência. O Ministério Público deixou de intervir nos autos. Determinada a intimação dos demais delegatários em exercício nesta Comarca, apenas a Oficial do 1º Ofício de Registro de Imóveis desta Comarca, apresentou manifestação. Vieram conclusos.

Decido. Sobre o assunto, estabelece o art. 60-B do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça de Santa Catarina, verbis: Art. 60-B O pedido de regulamentação poderá ser apresentado por órgão regulador, delegatário e demais interessados. (redação acrescentada por meio do Provimento n.6, de 01 de fevereiro de 2022) § 1º Na hipótese de haver dúvida quanto à competência para exame da matéria, o pedido de regulamentação será endereçado ao juiz com competência em matéria de registros públicos da comarca da qual faz parte o município em que está sediada a serventia. (redação acrescentada por meio do Provimento n.6, de 01 de fevereiro de 2022) § 2º No caso do § 1º, a autoridade encaminhará o procedimento ao órgão superior competente, se o tema refugir a sua área de atuação”. (redação acrescentada por meio do Provimento n.6, de 01 de fevereiro de 2022) §3º O Corregedor-Geral do Foro Extrajudicial analisará a existência de repercussão geral da matéria e, em caso positivo, submeterá o procedimento ao Comitê Permanente do Extrajudicial (COPEX). (redação acrescentada por meio do Provimento n.16, de 3 de março de 2023) Analisando os autos, extrai-se que os interessados possuem legitimidade para o pedido de regulamentação. Cumpre analisar, as dúvidas sustentadas pelos mesmos, dentre as quais destaco: i) que seja definido, em procedimento de regulamentação, se no âmbito da Comarca os tabelionatos estão autorizados ou não a lavrar escritura pública de compra e venda de fração ideal, na forma mencionada nos artigos 405, 1.314 e 1.320 do Código Civil, desde que não existam dados objetivos indicando a existência de fraude ou de parcelamento irregular ou clandestino do solo, conforme estabelecido no art. 804 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça; ii) que seja definido, em procedimento de regulamentação, se os critérios definidos nos artigos 713 e 715 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça são suficientes para se aferir os indícios de parcelamento irregular ou clandestino do solo e, em caso negativo, quais parâmetros adicionais devem ser observados; iii) que seja definido, em procedimento de regulamentação, sobre a necessidade de motivação devidamente justificada e ancorada em dados objetivos nas hipóteses de nota de recusa ou de exigência. No tocante ao primeiro item deste pedido de regulamentação, não se desconhece da possibilidade da lavratura de escritura pública de compra e venda de fração ideal de imóvel, a teor do previsto no art. 1.314 do Código Civil. Contudo, “é vedado ao tabelião lavrar escritura relativa à alienação de fração ideal, quando, à base de dados objetivos, verificar a presença de indícios de fraude ou infringência à lei de parcelamento do solo”, conforme se extrai do art.804 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça de Santa Catarina: Art. 804. É vedado ao tabelião lavrar escritura relativa à alienação de fração ideal quando, à base de dados objetivos, verificar a presença de indícios de fraude ou infringência à lei de parcelamento do solo. § 1º Tal vedação estende-se à escritura de posse se identificados indícios de formação de condomínio irregular ou que se destine, de forma simulada, à regularização de loteamento clandestino. § 2º Na dúvida, o tabelião submeterá a questão à apreciação do juiz de registros públicos. Nota-se que referida proibição se estende também à lavratura de escrituras de posse, quando esta evidenciar objetivo de regularização de loteamento clandestino, ou sua própria formação, sendo que na dúvida, o tabelião deve submeter ao juiz de registros públicos, caso o interessado assim requeira. Logo, os tabelionatos estão autorizados a lavrar escritura pública de compra e venda de fração ideal, na forma mencionada nos artigos 405, 1.314 e 1.320 do Código Civil, desde que não existam dados OBJETIVOS indicando a existência de fraude ou de parcelamento irregular ou clandestino do solo, conforme estabelecido no art. 804 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça. Em outros termos, não é mera suspeita subjetiva, desamparada, portanto, de elementos concretos de fraude ou parcelamento irregular, que autoriza a recusa, senão apenas aquela suspeita amparada em fortes indícios, calcados em elementos reais e concretos, os quais devem ser discriminados na recusa administrativa, de forma a permitir ao usuário do sistema de registro público a conferência e avaliação das razões expostas, bem como eventual controle jurisdicional da atividade. A recusa é, neste sentido, exceção, não regra.

Já no que se refere ao segundo questionamento, os critérios definidos nos artigos 713 e 715 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina são suficientes para se aferir os indícios de parcelamento irregular ou clandestino do solo, atrelados aos requisitos previstos na Lei de Parcelamento de Solo (Lei n.º 6.766/79), do Estatuto da Terra (Lei n.º 4.504/64) e da Lei n.º 5.868/72 (art. 8º). Tanto que o tabelião/registrador restar convencido que a venda da fração ideal se faz em fraude ao parcelamento do solo, deverá exigir o cumprimento dos requisitos do referido regramento para confecção/registro da escritura pública e, caso não sendo atendida tal(is) exigência(s), negar a confecção/registro do título. Até porque “diante de indícios da existência de loteamento clandestino, o oficial noticiará tal fato ao representante do Ministério Público, com remessa de cópia da documentação disponível” (art. 717 do CNCGJ/SC).

Finalmente, quanto ao terceiro questionamento, como acima já mencionado de fato deve haver a necessidade de motivação devidamente justificada e ancorada em DADOS OBJETIVOS e CONCRETOS nas hipóteses de nota de recusa ou de exigência por parte do tabelião/ registrador (art. 50, da Lei n.º 9.784/99).

Isso posto, julgo PROCEDENTE o pedido REGULAMENTAÇÃO, a fim de estabelecer que:

i) os tabelionatos estão autorizados a lavrar escritura pública de compra e venda de fração ideal, na forma mencionada nos artigos 405, 1.314 e 1.320 do Código Civil, desde que não existam dados objetivos e concretos indicando a existência de fraude ou de parcelamento irregular ou clandestino do solo, conforme estabelecido no art. 804 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça;

ii) os critérios definidos nos artigos 713 e 715 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina são suficientes para se aferir os indícios de parcelamento irregular ou clandestino do solo, atrelados aos requisitos previstos na Lei de Parcelamento de Solo (Lei n.º 6.766/79), do Estatuto da Terra (Lei n.º 4.504/64) e da Lei n.º 5.868/72 (art. 8º);

iii) deve haver a necessidade de motivação devidamente justificada e ancorada em dados objetivos e concretos nas hipóteses de nota de recusa ou de exigência por parte do tabelião/registrador (art. 50, da Lei n.º 9.784/99), de modo a permitir a avaliação do usuário do sistema e, igualmente, do órgão jurisdicional competente, não bastando a mera suspeita subjetiva.

P. R. I. Sem custas. Decorrido o prazo, arquivem-se.

Sergio Renato Domingos Juiz de Direito Secretaria do Foro da Comarca de Criciúma, aos 8 de setembro de 2023. Luana Soares Souza, Chefe de Secretaria.

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